Há um clima mais intenso, uma
expectativa pairando no ar; o sol vai se pondo atrás da serra, o tempo mais
denso e cheio de sons, de cheiros e de cores empalidecidas pela luz que se
acaba. Não fosse o ataque de insetos , poderíamos
confundir com o paraíso , mas eles cobram o seu
pedágio! Pago com prazer!
As estrelas começam a aparecer,
uma a uma, por entre as copas das árvores em pedaços de céu; só as vejo muitas
vezes com o rabo do olho, pois se eu olhar para elas fixamente não as enxergo,
coisas do olho humano, mas aos poucos
elas perdem a timidez e várias, que até
então enganaram a minha visão, vão surgindo.
Nessa hora todos os sentidos
parecem não funcionar direito, somente a audição, e o silêncio de nossa
Civilização é uma benção! É nessa hora vejo vultos que não identifico, odores que reconheço,
penso em coisas que não entendo mas ouço ruídos que sei de onde vêm, sei que
estão lá, meus amigos e companheiros do
planeta,sua companhia escondida já é
reconfortante, e a minha imaginação, curiosidade, medo e fascínio crescem com o
escurecer.
Um bando de Urus costuma cantar,
se empoleirando ao longe, e fico calculando onde eles estarão? Pelo canto posso
reconhecer os pássaros que estão por
perto, são visitas bem vindas que acompanham os grilos, sapos e rãs,
alternando-se em sons já tão conhecidos e confortáveis que me acalmam... assim
começa a sinfonia da noite, e o ruído da mata muda por completo, parece querer
acompanhá-los com o rolar do riacho em seu caminho, o soprar do vento nas
folhas ou o cair de um galhos no chão, e nesse momento me sinto parte de tudo
isso! Os vagalumes começam a piscar, primeiro cada um por si, para depois se
entenderem e piscarem todos juntos!
Sei que os animais do dia estão
se recolhendo silenciosamente para suas tocas e tento imaginá-los... medrosos e
escondidos dos dentes e das armadilhas.
Os animais da noite com todo
cuidado começam a se movimentar também, absolutamente calados e desconfiados. Não
os vejo mas espero que estejam por lá, talvez no dia seguinte veja seus rastros
ou quem sabe eu os enxergue ao longe, num relance de distração, para depois
vê-los fugirem mata adentro onde vivem e
sobrevivem ,e quase sempre somos seus inimigos.
Sempre torci por eles, por todos
eles, seja o predador ou a presa, o feio ou o bonito, o grande ou o pequeno, o
bom ou o mau, realmente não importa, pois esses são valores humanos e a
natureza é maior que isso, só nos permite contemplá-la e não julgá-la,
entendê-la ou subjugá-la , nós é que estamos no banco dos réus.
Toda vez que posso faço isso, entro na mata aqui do Jurupará e deixo a
noite cair, vou para um canto tranqüilo, sento e não penso em nada, dizem que é
uma meditação, mas para mim é um tipo de saudade, uma forma de aproveitar os
últimos segundos de algo que se acaba, um sentimento de perda, uma tristeza por
estar feliz com algo que parece cada vez menos pessoas dão valor, uma solidão
no meio da multidão enfeitiçadas feito mariposas
pelas luzes da cidade.