terça-feira, 2 de agosto de 2011

Olhar Natural



Quando meu Pai chegou ao Brasil ele tinha 8 anos. Saiu às pressas da Lituânia, sua terra natal, horas antes desta ser invadida pela União Soviética, e se refugiou na Alemanha. Posteriormente teve que fugir de novo e desta vez do bombardeio aéreo que os Aliados impuseram à Berlim no final da Segunda Grande Guerra Mundial;e foi quando veio para o Brasil.

Chegando aqui, ele ainda não encontrou tranqüilidade, pois viver em um país estrangeiro, no período pós-guerra, vindo de uma região onde se situava o inimigo vencido (Países do Eixo) não era nada fácil. Todos os dias ele tinha de brigar nas ruas, pois a molecada de seu bairro o tinha como o inimigo derrotado, e vinham dar sua contribuição pós-guerra tacando tijolos na sua cabeça quando ia a pé para a escola;

Não quero falar aqui de guerras, nem tão pouco das brigas de meu Pai, quero falar de paz; mais especificamente, da paz interior que todos nós tanto queremos e que meu Pai a encontrou no convívio com a natureza.
Eu entendo a opção do meu pai em ser introspectivo e ao mesmo tempo olhar para tão longe ... Superado este período difícil que passou, com o detalhe de ter perdido seu pai aos 12 anos e sua mãe aos 18, paulatinamente se adaptou como pode à nossa sociedade, Embrenhou-se na exuberante natureza do Brasil, desvendando-a ao seu modo particular; costumava navegar com um barquinho na represa billings, acampava às suas margens, na época uma selva, e às vezes se metia pelo litoral paulista afora com seu candango.

Não era um biólogo e nem tão pouco um pesquisador, era um homem que buscava a paz, que não teve na infância nem na adolescência.

Acredito que algo maior que o destino levou-o a encontrar seu sonho num passeio de candango com sua noiva, hoje minha mãe, numa estrada de terra feita para manutenção das Usinas da CBA, na região de Ibiúna, por volta de 1965; o Casal avistou do alto de um abismo uma casinha de caboclo, no meio de um vale, absolutamente isolada e cercada pela Mata Atlântica tão intocada na época; pararam, admiraram a paisagem e seguiram viagem.
esta é a casinha


O desmatado no fundo deste vale  e a casinha avistada
Mal sabia ele que 6 anos mais tarde, já casado, compraria este mesmo lugar, sem saber que se tratava daquela casinha que avistara do alto daquele abismo.Foi uma grande surpresa!
Lá, durante anos criou um mundo a parte, longe da sofisticação urbana, e com uma concepção empírica de respeito à natureza, não quis dominar o local, não pensou em criar pastos para gado, sedes com luz elétrica, grandes plantações,cavalos, piscinas ... nada disso! plantou árvores frutíferas, manteve suas terras preservadas e o mais importante, levou a família toda, como um grande desbravador e aventureiro ( acredite, era uma aventura!), para conhecer e admirar com seus olhos a natureza deste país que ele, um estrangeiro, aprendera a amar.

Penso que esta história de meu Pai, apesar de particular, pode ser reeditada por muitas outras pessoas deste mundo, tão cheio de cidades tumultuadas, poluídas e violentas.
Vivemos num mundo angustiado, onde nossa busca pela felicidade quase sempre esbarra na falta de simplicidade, equilíbrio e serenidade em nossas vidas. Somos diariamente bombardeados por sonhos de consumo, padrões
de beleza e metas a serem cumpridas, e temos cada vez menos tempo para observar os caminhos que estamos trilhando e aonde queremos realmente chegar.
Acredito que quando se tem a oportunidade de olhar de perto a natureza, em toda a sua plenitude, ela se revela como um grande mestre em nossas vidas; em cada um de seus seres vivos, seus ciclos e sistemas há uma mensagem infinitamente rica que nos leva ao verdadeiro aprendizado do que é a busca pela harmonia, pela generosidade e pela paz interior.

Graças a meu Pai , que me levou durante toda minha infância à nosso sitio, tive a grande oportunidade de aprender logo cedo as lições da natureza e sempre me encantei com coisas simples como o cair da noite na mata escutando o canto dos Urus, o tilintar dos grilos, o coaxar dos sapos;Me maravilhava ao presenciar as estações do ano passando e produzindo as transformações na mata, nos bichos, no florescer da quaresmeira e no frutificar das jabuticabeiras; e me emocionava ao ver a lua nascer por detrás do morro com uma luz tão forte que parecia um sol iluminando a noite, ou ao olhar para o céu estrelado
numa noite escura e ver estrelas cadentes que
nos davam o direito de fazer um pedido! Tenho a certeza de que, entre meus pedidos de brinquedos, doces e sonhos que fiz, havia entre eles o sonho de preservar este lugar, pois lembro também que ficava de coração partido ao ouvir no meio da noite um tiro de espingarda ou o roncar de uma moto serra.
Minha história não é diferente da história de meu Pai, e nem de qualquer outro ser humano que tenha coração; não tive que passar por fugas de bombardeios, mas me vejo constantemente sofrendo com o descaso de nosso mundo com questões de vital importância para nossa própria sobrevivência ; não tive que lutar contra os vizinhos todos os dias para ir à escola, mas luto do fundo do minha alma contra o ceticismos e a inércia dos acomodados e revoltados de sofá; percebo que cada um, dentro de seu mundo e das suas particularidades, tem uma guerra própria diária em suas vidas.

Algumas das batalhas que travamos nos caem na cabeça como chuva e para elas temos a perseverança como arma, mas outras batalhas somos nós mesmo que escolhemos e temos a persistência como ferramenta ; escolhi esta, a de preservar este lugar que os relatei e ajudar a transmitir, através das fotos e textos que publico, seus conhecimento ocultos que aprendi e continuo aprendendo todo as vezes que piso nesta terra isolada e ao mesmo tempo tão próxima para quem a percebe.

"Não existe uma só explicação que represente por completo o que sinto  quando estou aqui, pois o passado o presente e o futuro se misturam entre sonhos e esperanças que mantenho para este lugar.
As  aventuras vividas, neste universo paralelo a minha  vida na cidade, estão entre as lembranças mais queridas e distantes que possuo; foram ricas  experiências de infância vividas em um cotidiano simples e puro, cada vez mais esquecido  pela modernidade.
 Longe da loucura das cidades e da falta de valores de nossa sociedade, ainda hoje este lugar se apresenta de forma harmônica e generosa para todos que aqui vêm! É com o acúmulo das lições aqui vidas que nasceu o amor, a admiração  e a sintonia que tenho com este lugar.
Enquanto eu puder, sempre virei até aqui viver uma nova surpresa e aprender uma nova lição. Este chão é a minha fonte de sabedoria, meu reduto de paz e meu caminho para uma vida verdadeiramente feliz.
" Mauricio Merzvinskas

6 comentários:

  1. Que história fantástica! Parabéns ao seu pai e a sua família por manter e preservar essa preciosidade de lugar!

    ResponderExcluir
  2. Bacana, muito interessante a sua percepção da vida !

    ResponderExcluir
  3. Bacana, muito interessante a sua percepção da vida !

    ResponderExcluir
  4. parabéns pelo post! adoro essa região. abraço.

    ResponderExcluir
  5. Caro Mauricio, me chamo Israel sou membro do Comtur de Ibiúna e fiquei maravilhado com seu blog, sua exploração detalhada e romântica do local é muito rica.Gostaria de sua permissão para que possamos fazer post sobre elas como ecoturismo e observação de pássaros e animais silvestres em nossa região.Grato

    ResponderExcluir

Deixe aqui sua colaboração!